entrevista

Ex-ministro fala sobre o desafio de formar empreendedores e a situação econômica do país

Deni Zolin


Foto: Charles Guerra (Diário)

De tempos em tempos, o santa-mariense e ex-ministro da Justiça no governo FHC Milton Seligman volta à terra natal. Na última visita, aproveitou um convite e foi até a universidade onde se formou em Engenharia Elétrica, em 1974, para conversar com o reitor Paulo Burmann sobre os desafios da educação na atualidade e como a UFSM pode mudar isso.

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Seligman, que foi diretor de Relações Corporativas e Comunicação da Companhia de Bebidas das Américas (AmBev), é consultor e professor do instituto Insper, de São Paulo, desde 2015. Em entrevista exclusiva ao Diário, ele falou que a universidade tem o grande desafio de formar jovens mais empreendedores, pois no futuro, haverá bem menos empregos em várias áreas. Seligman também falou sobre a retomada da economia do Brasil e o temor que tem com o resultado das eleições. 

Diário de Santa Maria - Em visita à UFSM, o que o senhor tratou ou propôs?
Milton Seligman -
Fui convidado a conversar para ajudar a universidade na colaboração público-privada. Hoje, ninguém imagina que só o Estado ou só a iniciativa privada sejam capazes de desenvolver sociedades complexas como a nossa. E o papel de uma universidade pública como a de Santa Maria é gerar conhecimento, que deverá ser utilizado por empresas do país para que, em suas atividades, possam ter soluções para problemas. Por outro lado, estamos vivendo hoje uma sociedade nova. Essa juventude que está hoje na universidade, boa parte dela não terá emprego. Ela será empreendedora, pois é isso que vai existir. Então, a universidade tem de formá-los com capacidade de empreender. Tem que mostrar para eles e treiná-los primeiro para não terem aversão ao risco, que talvez seja a coisa mais importante. Porque quando você perde a aversão ao risco, você ousa. Você não tem medo de perder a bola. Mas você só está treinado para fazer isso se tiver uma boa defesa e condições de, ao perder a bola, não sofrer gol. Esse treinamento também é papel da universidade, de perder o medo do risco, alguns até gostando do risco, tem gente que gosta e é mais afoito. Esses vão trabalhar nas empresas de tecnologia, já a chance de dar certo é menor. É preciso criar esse sistema para servir à sociedade. 

Diário - Após a grande crise na economia no país e de leve retomada, o crescimento será lento nos próximos anos?
Seligman -
Essa equipe econômica atual é muito boa. Eu diria que eles pegaram um país com a economia caindo, a inflação crescendo, com juros elevados e entregam uma economia crescendo muito pouco, mas crescendo, é um sinal positivo. A inflação controlada e com os menores juros que o Brasil já teve. O grande problema que o Brasil tem em termos de política econômica é o problema do equilíbrio fiscal. A nossa despesa tem de caber na arrecadação, em qualquer empresa, no município, no Estado e na União. A gente tem de decidir, se a despesa que a gente quer é essa, tem de crescer a arrecadação, mas se a gente não tem mais espaço para isso, tem de diminuir a despesa. E quando você mergulha nos Estados que já quebraram, e o Rio de Janeiro é o principal exemplo de Estado que quebrou em qualquer critério que você queira usar, não tem ativos que paguem os compromissos já assumidos.

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Diário - Também o Rio Grande do Sul. 
Seligman - O Rio é pior porque lá já quebrou. Você tem outros na fila, em que o Rio Grande do Sul infelizmente está lá junto com Minas e outros. Há pesquisa do Insper que diz que tudo isso está limitado na questão da força de trabalho, na folha de pagamento. É ali que está o problema: funcionários ativos, inativos. O Estado, então, tem o desafio de começar a resolver esse problema. No Rio Grande do Sul, não está muito longe disso acontecer. Essas correções são decisões dolorosas. Muito difíceis de executar. Você vai tratar, sim, de direitos que pessoas imaginam que têm, e têm. Daí, você vai ter de dizer: "Tem, mas não tem como pagar". Como equacionar isso é o desafio que os dirigentes têm pela frente.

Diário - Se não cortar na carne agora, o que acontecerá? 
Seligman - É o que está acontecendo no Rio, em que as pessoas não estão recebendo. E quem você não paga? Aquele que te dá mais problema, os aposentados. Olha que injustiça, que terrível isso que está acontecendo. Então, não paga o aposentado porque não pode deixar de pagar o policial, e vai pagando cada vez menos. Essa realidade já existe e está instalada. Os novos governantes que serão eleitos agora vão ter de tratar disso. Olha que responsabilidade temos nas mãos. Ter de eleger pessoas que vão ter de assumir esse compromisso. Antes, o problema era como eu faço para o país crescer? Agora, é como a gente encontra esse equilíbrio fiscal.

Diário - E tem ainda o déficit da União.
Seligman - Sim. Então, questões importantes, como a Previdência, estão aí. Não tem como resolver o problema do país sem olhar de frente esse megadesafio da Previdência, e principalmente a Previdência do setor público. Não adianta não gostar do problema, ele está aí. Na medida em que você equacionar isso, e esse equacionamento pode ser feito numa perspectiva de tempo - não é que tem de resolver tudo aqui e agora -, mas se você mostrar que você equacionou o problema num certo espaço de tempo, o investimento retoma. 

Diário - Muitas pessoas não se dão conta de que isso é fundamental para dar confiança ao investidor, porque não adianta ficar fabricando dinheiro, pegando empréstimo, pois só vai piorar a situação e dar mais insegurança à economia e ao investidor.
Seligman - Exatamente, esse é o desafio que temos. Tem um lado otimista, que a sociedade vai poder escolher nossos governantes agora. Mas por outro lado é um desafio porque vamos ter de crescer rapidamente. 

Diário - O Brasil pode ficar anos nessa retomada lenta?
Seligman - É difícil saber. 

Diário - Ou vai depender de quem for eleito, pois se vencer um candidato que gastar bem mais do que arrecada, pode influenciar?
Seligman - Tem muita gente que diz não acreditar nisso e que dá para prometer tudo para todos. Temos o Marcos Lisboa, presidente do Insper, e ele cunhou uma expressão junto com o Samuel Pessoa, da FGV, de que o Brasil é o país da meia-entrada. Todo mundo aqui quer pagar menos. O empresário quer pagar meia-entrada, ele acha que tem o direito de ter um juro menor que o do banco. O funcionário público acha que tem direito de ter uma aposentadoria melhor do que o resto da sociedade. E assim vai. Todo mundo acha que tem direito de um desconto. Mas o desconto, para mim. Então, o país da meia-entrada dá ao governante a possibilidade de dizer "Agora eu te dou meia-entrada", e você vai retirando aquilo de que somos todos iguais perante a lei. Vamos baixar o juro, mas para todo mundo, não só para ti. No momento que você conseguir jogar o país nesse credo de que somos todos iguais e que não está escrito que tem o de cima que é diferente, eu acho que vai. E se a gente achar que não, que "o meu lado que eu defendo, pois mais nobre que seja, eu vou resolver esse problema e o resto que se lasque", daí não tem jeito. E daí precisa de uma liderança equilibrada, pensando grande. 

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Diário - Como o senhor vê o cenário eleitoral neste ano? Está tranquilo ou não? 
Seligman - Estou muito temerário. O cenário é que os líderes das pesquisas apresentam limitações e problemas muito sérios. De um lado, o Lula, líder das pesquisas, está preso, e tudo indica que, pela lei vigente, não vai poder concorrer. E o segundo nas pesquisas, o Bolsonaro, é uma pessoa totalmente despreparada para assumir as responsabilidades de um país complexo como o Brasil a partir de pontos de vistas - que eu divirjo na maior parte deles, mas isso não importa -, mas que são primários, muitos primários. E essa primariedade para tratar problemas complexos não traz em si otimismo em relação à solução. Já o Ciro fala em expropriam campos de petróleo. Os problemas do Brasil são muito complexos, exigem um conhecimento e experiência muito grandes, e não adianta bater na mesa, ficar brabo, ter pulso forte.

Diário - Então, se Bolsonaro for eleito, o senhor teme que possa se acirrar um radicalismo no Brasil e ser danoso?
Seligman - Sempre é danoso. Em um país como o nosso, com população grande e com grandes divergências e diferenças de interesses, o que precisamos são de lideranças capazes de mediar essas questões, porque todos os lados precisam do apoio de um Estado grande e centralizador como o nosso, tu não vais poder retirar apoio de setores importantes da rede de proteção social em um país pobre como o nosso, e você não poderá deixar de se preocupar com o espaço de liberdade que a iniciativa privada precisa para que possa investir e buscar o desenvolvimento. Você precisa trabalhar nas duas pontas, o que envolve uma posição mediadora, equilibrada, tranquila, sem radicalismo e muito baseada em técnicas para a tomada de decisão. Infelizmente, não vejo isso nos candidatos que lideram pesquisas, mas não que não tenham um candidato com a capacidade para fazer isso. Vamos ver nos próximos meses, mas eu não estou tranquilo, não. Estou bem preocupado.

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